terça-feira, 1 de julho de 2008

Europeus dão dicas para encontro com ETs

Se colocar um francês e um britânico na mesma sala já costuma dar briga, pode-se imaginar a falta de preparo da humanidade para um encontro com o tipo mais radical de estrangeiro: alguma forma de vida extraterrestre. Pesquisadores patrocinados pela Agência Espacial Européia (ESA) querem começar a dar um jeito nesse nosso despreparo generalizado, estimando as possíveis conseqüências históricas, sociais e até religiosas desse tipo de contato quando – e se – ele ocorrer.

Esse é o objetivo de um comitê da ESA e da ESF (Fundação Européia de Ciência) comandado pelo historiador italiano Luca Codignola, da Universidade de Gênova. Não por acaso, Codignola é especialista no contato inicial entre europeus e indígenas americanos, evento que pode dar uma pista – não muito animadora, é verdade – do que um encontro entre Homo sapiens e ETs pode trazer. (Outra nota irônica para quem tem esses interesses: o historiador leciona na cidade natal do navegador Cristóvão Colombo.)

“O chamado ‘intercâmbio de Colombo’, que começou a acontecer por volta de 1492, alterou a maneira ocidental de conceber o mundo, mudou a teologia cristã de forma quase irresistível e permitiu um fluxo livre de bactérias e outros microrganismos que quase varreram os nativos americanos do mapa”, diz Codignola.

A idéia da ESA e da ESF é colocar astrônomos, engenheiros aeroespaciais e outros sujeitos que planejam a exploração do espaço propriamente dita em contato com sociólogos, historiadores, antropólogos e teólogos – gente que conhece bem as conseqüências dos choques de espécies e culturas no passado e no presente. Por outro lado, afirma Codignola, “as dificuldades técnicas e a própria escala de tempo das viagens espaciais muitas vezes escapam aos especialistas da área de humanas. E é muito ruim que os dois grupos quase nunca se falem sobre temas espaciais”.

Um dos membros do comitê é o antropólogo Gísli Pálsson, da Universidade da Islândia. Seu trabalho acadêmico já versou sobre outro tipo de contato entre civilizações: o que envolveu escandinavos e esquimós no Ártico. Para Pálsson, “o modelo do choque de civilizações”, como o que envolveu ameríndios e europeus, é a única referência que temos por enquanto para tentar imaginar como seria um encontro entre humanos e alienígenas. “Fora isso, talvez só tenhamos [como prévia do que pode acontecer] a inteligência artificial, a lingüística computacional e coisas do tipo”, avalia.

Paralelos limitados

Mesmo assim, para o pesquisador islandês, os paralelos só funcionam até certo ponto. “Embora muitos encontros entre culturas tenham sido catastróficos na Terra, os problemas tiveram mais a ver com a exploração e os interesses econômicos do que com a cognição e o intelecto. Isso se deve, eu acho, a uma capacidade humana básica de comunicação. No entanto, se encontrarmos seres ou mensagens realmente alienígenas, não poderemos usar essa capacidade, uma vez que não podemos assumir que esses seres a compartilhem conosco”, diz ele.

Os problemas antropológicos da conquista do espaço, no entanto, podem começar muito antes que a humanidade consiga achar uma civilização cósmica diferente de si mesma. Se conseguirmos mesmo nos espalhar pelo Sistema Solar e por outros sistemas estelares, pode acontecer que o contato dos viajantes com a Terra se torne tão distante que o planeta de origem simplesmente vire uma lenda. “É provável que eles construam mitologias e línguas exagerando e distorcendo seu passado, como aconteceu nos ‘novos mundos’ terrestres”, afirma Pálsson.

Nem é preciso dizer que se trata de uma perspectiva no mínimo intrigante, mas não seria simplesmente cedo demais para se preocupar com isso, dada a velocidade de tartaruga que a exploração espacial tem adotado nos últimos tempos? Não para o antropólogo. “Precisamos pensar de forma séria sobre todos esses assuntos, e nunca é cedo demais. É o que os autores de ficção têm feito há séculos”, pondera.

Para Pálsson, um dos temas mais prementes é o que ele chama de “biossocialização” – a possibilidade de que os novos conhecimentos sobre as bases biológicas da vida humana modifiquem a própria sociedade. Isso poderia gerar nada menos que o surgimento deliberado de criaturas “pós-humanas”, adaptadas aos novos ambientes fora da Terra. E, ao mesmo tempo, pode significar uma volta à eugenia – promovida, por exemplo, pelos humanos “puros” contra seus descendentes. “É improvável que a idéia de ‘raça’ desapareça, pelo contrário”, especula o antropólogo.

Fonte: G1

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